Os esforços de modelagem urbana podem ser orientados para a comprovação de uma tese ou exploração de cenários sobre os quais se pergunta "Mas e se tal cidade funcionasse da maneira X?". As chamadas questões "what if" são em verdade a exploração de hipóteses sobre as quais se tem algum questionamento teórico - como no caso da comprovação de uma tese ou adaptação de metáforas para explicar determinados fenômenos - ou algum interesse empírico, mas que não pode ser simplesmente observado diretamente dos fenômenos, seja por limitações de escala - ocorrências muito espalhadas, ou área de muito grande - quanto por limitações temporais, como no caso das simulações de períodos de décadas ou mesmo centenas de anos.
Os modelos então nos permitem acessar o conhecimento sobre a realidade através de poderosas inferências na forma de aproximações tentativas do real na forma de simulação de comportamentos conhecidos que podem então ser testados ante a comportamentos hipotéticos ou avaliados segundo indicadores. | Figura 1 - Fluxo contínuo de formulação de modelos. Fonte Grimm et all (2005). |
A partir da estrutura se implementa um modelo, procedendo-se a uma série de calibrações e ajustes até que esteja dentro dos parâmetros esperados. A partir de então se podem iniciar os testes com verificação da resposta a atributos determinados (presença de pavimentação, efeito de leis ou políticas públicas, etc.), como os vistos em diversos posts desse blog.
Essa análise pode ser sistematizada e seus resultados comunicados, de forma a trocar experiências e conclusões, mesmo que parciais, sobre os problemas estudados, de forma a permitir que, a partir do diálogo com outros pesquisadores, agentes, membros da comunidade e outros, se possa reformular as questões iniciais, detalhando-as, refutando-as em nome de outras ou as expandindo e complementando.
A simulação aqui apresentada foi realizada no software CityCell (SARAIVA et al., 2013), que se constitui em um ambiente celular de simulação de crescimento urbano a partir de interações de vizinhança. o framework do CityCell simula dinâmicas das cidades contemporâneas a partir de forte apoio nas teorias da complexidade (BATTY, 2005), em especial do afastamento dos estados de equilíbrio (BATTY, 2007a) e da emergência de padrões de ordem auto-organizados (PORTUGALI, 1996, 1997) e toma forma através da geosimulação (BUZAI, 1999; BENENSON; TORRENS, 2004; BATTY, 2007b) com os modelos dinâmicos de autômatos celulares (BATTY et al., 1997; TORRENS, 2000). O caso particular do CityCell utiliza das construções teóricas e metodológicas da centralidade (KRAFTA, 1997) e potencial de urbanização (POLIDORI, 2004) para, então, simular o crescimento das cidades a partir da interação entre forma construída, processos sociais e ambiente natural.
Ela visou responder a pergunta "A moradia de baixa renda é reserva de mercado?" a partir da percepção de que, nos movimentos de "sístole e diástole" (KRAFTA et al., 2011) de que é composto o crescimento urbano ocorre, em um primeiro momento, a expansão da área urbanizada a partir de loteamentos em grande parte de baixa renda. | Figura 2 - Cidade de Canguçu e título da apresentação relatada |
Essa formulação parte da Teoria do Desenvolvimento Desigual (HARVEY, 1978; WALKER, 1978) e da observação de características específicas da América Latina (GILBERT, 1987; BÓGUS; TASCHNER, 1999; ABRAMO, 2007) e das cidades do sul do Rio Grande do Sul (TORALLES, 2013) que pontuam a substituição dos tecidos urbanos produzidos por populações pobres por formas de urbanização de classe média ou alta.
Para verificar essas afirmações, constituíram-se os passos do modelo de Grimm (2007), a começar pela formulação da pergunta de pesquisa:
1. Pergunta de pesquisa:
"As áreas de pobreza funcionam como reserva de mercado para populações mais ricas?"
Considerando o contexto regional:
· cidades pequenas do RS
· processos de expansão urbana
· século XX ao XXI (data inicial 1967)
· influência de atributos naturais e urbanos (sem institucionais)
2. Hipóteses teóricas:
1. espaços com centralidade baixa e resistências altas (especialmente as ambientais) são ocupados por famílias pobres [lógica da necessidade, em Abramo (2007)];
2. quando a cidade expande, esses locais passam a ter maior centralidade relativa e, portanto, acabam valorizados. Os ricos então tendem a mover-se para eles, buscando tanto as vantagens da localização, como baixos custos (POLIDORI, 2004).
3.Estrutura do modelo:
Base metodológica (condiciona a implementação): CityCell – urban growth simulator (SARAIVA et al., 2013) Crescimento urbano simulado a partir do potencial de urbanização:
- Calcula a centralidade de cada célula a partir de carregamentos [urb + amb + inst] que geram tensões entre todas as células;
- Compara cada célula com seu entorno: a com maior “contraste” com a vizinhança (para menos), é a que tem maior potencial de crescer;
- Subtrai esse potencial das resistências [urb + amb + inst] da célula, em caso positivo, gera carregamento urbano na célula;
- Compara o carregamento existente com as resistências naturais da célula, se o primeiro prevalecer, altera o chamado “cell type”, ou fenótipo da celular, para urbano.
Serão apresentados, em na parte 2 dessa postagem, os experimentos de investigação das questões colocadas, a partir da implementação do modelo, elaboração de cenários experimentais e análise dos resultados.
REFERÊNCIAS
ABRAMO, P. A Cidade Com-Fusa: a mão inoxidável do mercado e a produção da estrutura urbana nas grandes metrópoles latino-americanas. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 9, n. 02, p. 25–53, 2007.
ALBERTI, M.; MARZLUFF, J. M; SHULENBERGER, E.; et al. Integrating Humans into Ecology: Opportunities and Challenges for Studying Urban Ecosystems. BioScience, v. 53, n. 12, p. 1169–1179, 2003. Uberlândia: American Institute of Biological Sciences. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1641/0006-3568(2003)053[1169:IHIEOA]2.0.CO>.
BARROS, J. X. Urban Growth in Latin American Cities Exploring urban dynamics through agent-based simulation, 2004. London: University College London. Disponível em: <http://www.dpi.inpe.br/cursos/environmental_modelling/joana_phd_thesis.pdf>. .
BATTY, M. Cities and Complexity: Understanding Cities With Cellular Automata, Agent-Based Models, and Fractals. Cambridge: MIT Press, 2005.
BATTY, M. Complexity in city systems: understanding, evolution, and design. CASA Working Papers, v. 44, n. 0, p. 0–35, 2007a. London.
BATTY, M. Model Cities. CASA Working Papers, v. 113, p. 0–38, 2007b. London.
BATTY, M.; COUCLELIS, H.; EICHEN, M. Urban systems as cellular automata. Environment and Planning B: Planning and Design, v. 24, n. 2, p. 159–164, 1997. Pion Ltd.
BENENSON, I.; TORRENS, P. M. Geosimulation: Automata-Based Modeling of Urban Phenomena. London: John Wiley & Sons, Ltd, 2004.
BÓGUS, L. M. M.; TASCHNER, S. P. São Paulo: velhas desigualdades, novas configurações espaciais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 1, p. 153–174, 1999. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.anpur.org.br/revista/rbeur/index.php/rbeur/article/view/29/17>. .
BUZAI, G. D. Geografia Global: El paradigma geotecnológico y el espacio interdisciplinario en la interpretación del mundo del siglo XXI. Buenos AIres: Lugar Editorial, 1999.
CÂMARA, G.; MONTEIRO, A. Mapping Social Exclusion/Inclusion in Developing Countries: Social Dynamics of So Paulo in the 1990s. Center for Spatially Integrated Social Science, 2002. Disponível em: <http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/summary?doi=10.1.1.21.6160>. Acesso em: 21/8/2013.
GILBERT, A. Urban Growth, Employment and Housing. In: D. A. Preston (Ed.); Latin American Development: Geographical Perspectives, 1987. Harlow, Essex: Longman.
HARVEY, D. The urban process under capitalism: a framework for analysis. International Journal of Urban and Regional Research, v. 2, n. 1-4, p. 101–131, 1978. Oxford, UK.: Blackwell Publishing Ltd.
KRAFTA, R. Modelling intraurban configurational development. Environment and Planning B: Planning and Design, v. 21, n. 1, p. 67–82, 1994. Pion Ltd.
KRAFTA, R.; NETTO, V.; LIMA, L. Urban form grows critical. Disponível em: <http://cybergeo.revues.org/24787>. Acesso em: 20/11/2012.
POLIDORI, M. C. Crescimento urbano e ambiente: um estudo exploratório sobre as transformações eo futuro da cidade, 2004. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Instituto de Biociências - Programa de Pós Graduação em Ecologia: Tese de Doutorado.
PORTUGALI, J. Notions concerning the nature of world urbanization. Progress in Planning, v. 46, n. 3, p. 145–162, 1996. Disponível em: <http://www.ingentaconnect.com/content/els/03059006/1996/00000046/00000003/art88867>. Acesso em: 18/6/2013.
PORTUGALI, J. Self-organizing cities. Futures, v. 29, n. 4–5, p. 353–380, 1997.
SARAIVA, M. V. P. Simulação de crescimento urbano em espaços celulares com uma medida de acessibilidade: método e estudo de caso em cidades do sul do Rio Grande do Sul, 2013. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas.
TORALLES, C. P. Cidade e crescimento periférico: modelagem e simulação da formação de periferias urbanas com autômatos celulares, 2013. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas. Disponível em: <http://prograu.ufpel.edu.br/uploads/biblioteca/cidade_e_crescimento_periferico_dissertacao_cptoralles_mar2013ufpel.pdf>. .
TORRENS, P. M. How cellular models of urban systems work (1. Theory). CASA Working Papers, v. 28, p. 0–68, 2000. London.
UN-HABITAT. The Challenge of Slums: Global Report on Human Settlements. London: United Nations Human Settlements Programme, 2003.
WALKER, R. A. Two Sources of Uneven Development Under Advanced Capitalism: Spatial Differentiation and Capital Mobility. Review of Radical Political Economics, v. 10, n. 3, p. 28–38, 1978.
Nenhum comentário:
Postar um comentário